sexta-feira, 8 de outubro de 2010

VIDA, SIM !! POLÍTICA, NÃO !!!

     VIDA, SIM! POLÍTICA, NÃO !!!!
 
     Acredito que a vida, em toda sua natureza bruta, é, ainda,  mais bela que toda a cultura humana. E quando a cultura imita e mesmo refaz  a natureza, aí surge a arte. Mas há na cultura, também, o que pior o ser humano criou. Podemos fazer uma lista imensa destes lugares e coisas das trevas: as chaminés das indústrias, o congestionamento do trânsito, o inchaço urbano, as ridículas vitrines dos shoppings (que parecem mais um palco iluminado para as coisas desfilarem),  dentre outras obras macabras da sociedade tecnológica do espetáculo.
     Contudo, há um espaço de interseção entre a natureza e a cultura que é fantástico. Pulula de alegria, de vida. É vibrante, dá-nos novo alento, mesmo uma certa alegria em viver. E é aí nesta “fresta” em que natureza e cultura, vida e humanidade se entrelaçam, que localiza-se o espaço por excelência da criação, da arte, da poesia, da literatura, do cinema, e mesmo da inventividade das ciências, enquanto ciência, aberta para o mundo, e não tecnologia fechada nas quatro paredes das fábricas e vendidas a peso de ouro no mercado das coisas. É neste espaço que gosto de transitar e onde me sinto à vontade .
     Voltando a falar do lado obscuro da cultura, encontramos, bem no centro do olho do furacão das trevas, aquela atividade que se convencionou de chamar de “política”. Originalmente,  política ( palavra que é derivada da palavra grega, polis = cidade), era atividade exercida exclusivamente pelos cidadãos gregos, parcela dos homens nobres, detentores da terra, que cuidavam dos rumos de suas cidades-estado. Isto numa sociedade agrária, escravista, patriarcalista, na Grécia da antiguidade, o que vale dizer há pelo menos uns 2.500 anos atrás. Esta atividade era não remunerada e o estado, à época era praticamente desconhecido e, porque não dizer, inexistente (nem sequer pagavam-se tributos!), ficando muitas das decisões dos patrícios resumidas a decidir questões ligadas ao mister da guerra entre os seus vizinhos. Esta atividade inicial pouco tem a ver com a política por nós vista nos dias atuais.
     Quero inicialmente esclarecer que não sou apolítico. Mesmo porque não faz parte do meu temperamento ser indiferente às questões sociais contemporâneas.
     Entretanto, participar da política partidária  do país não tem a mínima condição. Como se diz no vulgo, “só se for de porre”.... E como nem beber (álcool) eu bebo (muito pouco, só uma ou outra taça de vinho perdida por aí, pelas conversas da vida) a coisa simplesmente fica no ponto morto. Mortíssimo, diga-se de passagem.
      É que, no meu ponto de vista, a res pubblica (=república=coisa pública, do povo) tem bem os seus donos que não saem do poder há décadas. Mas se formos seguir o conselho de Eça de Queirós que aconselhava trocar os políticos do poder com a mesma freqüência e pelos mesmos motivos pelos quais se trocam as fraldas, o que acontecerá ? A experiência tem mostrado que acontecerá o de sempre: eles se tornarão os novos donos do poder, da coisa pública (= república)!
      Cheguei à conclusão que a democracia representativa é simplesmente uma balela, não se tem pessoas que sejam porta vozes dos grupos sociais, senão pseudorepresentantes, ou seja, pessoas que falam pelo povo, simplesmente porque obtiveram o seu voto, mas que lidam com ele assim como alguém que recebe um cheque em branco de uma vítima iludida e com este cheque está legitimado a fazer  qualquer coisa em nome daquele coitado que ficará ausente, simples espectador  sem direito de opinião.
      Simplesmente não dá para acreditar no sistema que aí está posto, legitimado por todo um arcabouço jurídico e instituições de estado que privilegia os grandes partidos, as coligações, que coloca todo o poder nas mãos dos caciques partidários, que não dá ao eleitor o direito de destituir os seus representantes do mandato que lhes deu, que não confere ao povo a liberdade de não ir votar se não o quiser, que complica ao extremo as condições do eleitorado em propor projetos de lei de interesse geral, dentre outros aspectos do decadente sistema jurídico político e eleitoral. O que os partidos representam, além da vontade dos próprios grupos que constituem ? Ainda existirá algum traço de ideologia entre os partidos ditos de esquerda e aqueles de direita, se o discurso entre eles está tão próximo e parecido em sua grande parte ?  E a prática destes gestores público está condizente com algum de seus discursos ?
       E aí, por força de lei, a cada ano eleitoral se repete a mesma triste baixaria. É a mesma maratona da mediocridade que esbanja poluição visual e sonora. É o mesmo patético festival de gastos com showmícios, carros de propaganda, panfletos que sujam a cidade. É o bandeiraço feito pelos braços de pessoas pagas por hora. Enfim, é o triste carnaval eleitoral, festividade sem festa, sem espontaneidade, que não chega a entusiasmar os cidadãos. A impressão que dá desta festa artificial é que todos, lá no fundo, sabem que todo este estardalhaço só servirá para legitimar a festa de grupelhos (vencedores), que, no máximo, implicará numa mudança no verniz do poder.
      Uma vez no poder, estes políticos vencedores esquecerão que vivem no mundo das pessoas de carne e osso e mergulharão na “bolha”. E como se sabe, a “bolha” é fechada, escura e suja. As atividades que nela se passam só aparecem ao povo através de uns poucos filtros mediadores e suas regras são rudes e bem simples. Nela existem duas categorias de políticos vencedores: 1- os ricos -  que detém a chave do cofre do tesouro e; 2- os pobres - aqueles que não a detém. Os que a detém vivem e lutam para conservá-la na mão, a qualquer custo, pois é fonte de continuidade no poder e aqueles que não tem parte alguma nesta chave, lutam para derrubar os primeiros do trono que dá acesso à chave do cofre, para em seu lugar se colocar. Cada grupo tem seus projetos de poder: os que o detêm querem perpetuar-se nele, e os que não o detêm querem um dia alçar vôo para o topo do monte. Eis a lógica da bolha e da engrenagem do poder formal.
        É a mesmice da mediocridade, a mesmice da política partidária que pouco ou nada tem a ver com a vida que inicialmente falamos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A TORRE DE BABEL


A Torre de Babel é uma pintura de Pieter Bruegel, o Velho, executada no ano de 1563.  Sabe-se que o pintor teria feito três versões da Torre das quais apenas duas chegaram até nossos dias. A maior e mais conhecida, é uma pintura de medidas aproximadas de 114 cm de altura por 154 cm de largura e encontra-se no Museu de História da Arte  (o Kunsthistorisches Museum) em Viena, na Áustria. O outro quadro, a Pequena Torre de Babel, também de 1563, encontra-se atualmente no Museu Boymans van Beuningen, em Roterdã, na Holanda.
             Como se sabe, o mito bíblico de Babel narra a história de um grande projeto humano que é destruído por intervenção divina, através da confusão de línguas, como castigo às arrogantes pretensões humanas de se alçar ao céu. As torres de Babel pintadas por Bruegel são uma representação do mito bíblico, só que contextualizada na Flandres do século XVI. Destarte, Bruegel apropriou-se deste mito, reescrevendo-o, uma vez que coloca em seus quadros cenas e detalhes tipicamente  flamengos de sua época, passando uma mensagem própria ao homem de sua época e espaço. Encontramos, assim, no primeiro quadro, um rei Nimrode, em primeiro plano, que, se aceita uma espécie de adoração à oriental, veste-se como qualquer rei coroado da Europa de então. Vemos claramente, em ambas obras a alusão às navegações e ao comércio marítimo, bem como à paisagem urbana, fenômenos próprios da Idade Moderna .
              Para Hagen, a pintura, que ambienta a Torre de Babel na Holanda do século XVI, mais precisamente na cidade de Antuérpia, cidade comercial cuja localização geográfica de seu porto lhe concedeu especial destaque no comércio com a América e a Ásia, demonstra o desconforto social experimentado com o rápido crescimento urbano advindo do progresso material deste início da Modernidade. Desta forma, a antiga Antuérpia, uma cidade cujos moradores viviam em comunidade há séculos, em poucas décadas experimentou o crescimento populacional e urbano vertiginoso, consistindo já no alvorecer do século XVI numa cidade cosmopolita e dinâmica (HAGEN, 2004, p.15-16).
              Este autor ainda frisa que  estes quadros de  Bruegel mostram a construção da torre não como um acontecimento longínquo, mas como algo extremamente contemporâneo, haja vista os detalhes que cercam a paisagem. A torre tem ao fundo a cidade com seus inúmeros edifícios e é geograficamente localizada perto do porto de Antuérpia por cujo rio aportam inúmeras caravelas com suas mercadorias. Há, ainda,  na primeira torre, várias máquinas e técnicas de construção da época  que são retratadas com detalhes na pintura do artista (HAGEN, 2004, p. 16-17).
             Por sua vez, a chamada Pequena Torre de Babel, tem algumas características próprias, que a distinguem da torre maior. Em primeiro lugar, nela não aparece, como na maior, a figura do rei Nimrode, de suas tropas e seus aduladores. Aqui, a torre aparece mais alta, mais completa, pintada em cores mais sombrias e com um detalhe que a diferencia da sua congênere: há, quase imperceptível, no meio da torre, em uma rampa que parece alçar o seu topo, uma procissão católica, encabeçada por um  baldaquino vermelho.    
             Para Beckett importa em obras da complexidade da Torre de Babel ficar atento ao seu significado visual, tendo em vista a resignificação dada ao mito pelo discernimento do artista, do relato bíblico (BECKETT, 1997, p. 169).
             Vê-se que no quadro maior, Bruegel faz uma crítica à concentração de poder e riquezas nos Países Baixos  durante os quinhentos. O poder político de então encontrava-se concentrado em mãos da casa dos Habsburgos que controlava um vasto Império que incluía boa porção da Europa Ocidental, Central e colônias na América, África e Ásia. O poder econômico encontrava-se concentrado em mãos da burguesia comercial que havia se fortalecido através do comércio marítimo na Europa e com as colônias de além mar.              
             O rei Nimrode de Bruegel bem poderia simbolizar o Imperador Felipe II  que, com a ajuda do mercantilismo estava a edificar um império mundial, já herdado, em parte, por seu pai, o Imperador Carlos V. Apesar de ser um homem como os demais, aceita a veneração que seus súditos lhe prestam. As naus que aportam e descarregam as pedras necessárias à edificação da torre, bem poderiam representar a acumulação capitalista, motor da expansão imperialista. 
             Em decorrência da atividade comercial com as colônias do Império, os Países Baixos estavam obtendo grande acumulação econômica o que, juntamente à disseminação da fé reformada em sua população, atraiu um maior controle da coroa imperial sobre o país. Esta situação ficou a cada dia mais tensa tendo em vista a atitude claramente intolerante do novo Imperador em impor a unicidade da fé, promovendo a uma depuração religiosa, uma vez que para este, o catolicismo era a religião do Império e, por conseguinte, a expansão imperialista além mar não comportaria a expansão de duas religiões concorrentes.   
              Destarte, a situação anterior já caracterizada pelo desconforto entre católicos, protestantes e calvinistas é agravada pela intromissão da coroa nos negócios da fé uma vez que a heresia para o imperador consistia numa rebelião não só contra a Igreja mas também contra o Estado. Um tal Império, marcado pelas dessemelhanças e agora, pela intolerância religiosa, só poderia ter um fim parecido com aquele preconizado pelo mito bíblico de Babel. Parece até que o artista estava a profetizar em sua obra, de 1563, a perseguição levada a cabo pelo representante do Imperador, o Duque de Alba, a partir de 1567, sobre os flamengos de fé reformada e a conseqüente guerra que se instalou  naquele país pelas décadas que se seguiram.
             A religiosidade de Bruegel é uma parte obscura de sua vida, apesar de a maioria de seus biógrafos considerá-lo, oficialmente, católico. Há cientistas sociais que sustentam que, a partir da leitura das nítidas críticas encontradas em suas pinturas contra o catolicismo e mesmo contra o luteranismo, Bruegel deveria ser  um reformador radical, talvez um anabatista, que não revelou explicitamente sua verdadeira identidade em tempos conflituosos (LOPES, 2009, p. 164).

              Para finalizar, pode-se afirmar que o mito de Gênesis apropriado na pintura de Bruegel é uma crítica à concentração de poder, às estruturas que servem para a exaltação do poder terreno e ao acúmulo de riquezas. Babel coloca em xeque estas estruturas, apontando para a transitoriedade de todo o poder terreno, reafirmando a futilidade do esforço humano na busca da glória perene, derrubando por terra a pretensa onipotência humana.
               Não seriam as nossas igrejas atuais verdadeiras Torres de Babel?

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